15.7.09

Cultura como estratégia


Por Amílcar Neves*


Finalmente nossos políticos, do Executivo e do Legislativo, começaram a perceber a importância estratégica das atividades e manifestações culturais. Nossos políticos: os federais, os estaduais e os municipais, dos maiores aos menos abastados municípios brasileiros.

Foram surgindo por todos os lados, em todos os cantos, as leis de incentivo à Cultura. No início ninguém sabia direito como a coisa funcionava, ou deveria funcionar, mas as leis iam sendo copiadas dali e coladas aqui, numa reprodução legiferante em ritmo geométrico, em escala geográfica extensiva. Surgindo as leis e as fundações culturais, os conselhos de cultura, as secretarias de cultura (surgindo as leis e os cargos de confiança a preencher, posto que, por uma sina qualquer, órgãos públicos ligados à Cultura nunca têm quadros de servidores estáveis e próprios, o pessoal todo é lotado por empréstimo ou por indicação).

Como se fazia Cultura antes de existir todo esse aparelhamento técnico e jurídico? Por favor. O chefe de momento distribuía favores à sua exclusiva discrição, contemplando afilhados, amigos e correligionários, pagando votos e dívidas de campanha. Coisa pouca, sempre: o dinheiro para impressão do livro, a ajuda para coquetel e convites da exposição, a liberação do teatro público para encenação da peça, coisas simples assim. Não havia critério para nada, menos ainda um processo democrático de apoio à Cultura.

A situação aos poucos se tornou insustentável e medidas firmes precisaram ser tomadas. Foram surgindo, então, as leis, as fundações, os conselhos e as secretarias. E os projetos e editais. A atividade se profissionalizou. Os políticos também.

A consequência lógica dessa evolução é óbvia: nossos políticos não demoraram a vislumbrar a importância estratégica da Cultura. Assim, a cada cinco reais destinados a editais e concursos, o gabinete imperial reserva 15 reais a “projetos especiais”, do interesse do rei. Isto lhe angaria súditos fiéis, agradecidos e submissos. E, agora, não se trata de custear apenas a impressão do livro, mas tudo o que a imaginação criadora puder agregar ao livro, tudo que possa inflar valores ao máximo.

Nossos políticos - Sarney, hoje, é o exemplo maior, o modelo supremo - descobriram a importância da Cultura como estratégia de ralo, por onde fazem escoar rios de dinheiro público para os seus bolsos privados.


*Amilcar Neves, escritor.
Crônica publicada na edição de hoje (15.7.2009)
do jornal Diário Catarinense.
Reprodução autorizada pelo autor.
Ilustração: Gallo Sépia.

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