3.7.10

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MORREU ALÉCIO VERZOLA


Verzola nas gravações do documentário Audácia, filmado
por Marco Nascimento. Fotos: Sérgio Luis (Velho Bruxo).


Faleceu hoje (3.7.2010), por volta das 14h30, o veterano militante comunista Alécio Verzola. Estava internado no Hospital de Caridade e sofria de câncer no cérebro e de problemas pulmonares. Seu corpo está sendo velado por familiares e amigos no cemitério do Itacorubi. Amanhã (4.7), por volta das 8h30, haverá uma homenagem e em seguida seu corpo será levado para cremação em Balneário Camboriu.


Bárbaramente torturado em 1975 (Operação Barriga Verde), Verzola residia com a família no início da rodovia Isid Dutra, em Sambaqui (Florianópolis-SC). Foi destacado dirigente do antigo PCB, ao lado de Roberto Motta, Marcos Cardoso Filho, Cirineu Martins Cardoso e Teodoro Ghercov (falecidos), ao lado de outros sobreviventes da luta contra a ditadura no Brasil. Herdeiros da militância social iniciada por homens e mulheres como Álvaro Ventura, Manoel Alves Ribeiro (Mimo), Mário Bastos, Dibo Elias (falecidos) e Eglê Malheiros, entre outros.
(CM)

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A candura e a conduta

Por Francisco Pereira Filho*

Há alguns minutos recebi uma triste notícia: faleceu Alécio Verzola. Alécio é personagem de “Audácia”, documentário que dirigi em 2009. O enredo de “Audácia” gira sobre a “Operação Barriga Verde”, fato histórico que marcou profundamente o camarada Alécio.

O jornalista e historiador Celso Martins foi o responsável por eu ter o privilégio de registrar o testemunho de uma pessoa especial. Antes das gravações nos encontrávamos para tomar café e conversar sobre aquele período. Com sua fala pausada, um olhar franco e direto, Alécio cativava. A trajetória dos fatos narrados por ele foi importante demais para mim. Como documentarista tinha certeza que seria para muita gente.

Fui visitá-lo no Hospital meses atrás. Lá estava ele, com um caderno na mão, envolvido com exercícios matemáticos. Já estava bem de saúde, receberia alta dias após.

Fica, para todos que o conheceram, a imagem de um homem que nunca se eximiu de manifestar seu ideário. Além da candura no trato pessoal, deixa um exemplo de conduta e isto ninguém vai nos tirar.

*Chico Pereira é cineasta.


No CIC (Florianópolis-SC) acompanhado da família na estréia de Audácia.

Gravações de Audácia em Florianópolis-SC.

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Memória militante
ALÉCIO VERZOLA

Por Celso Martins*

Quem perguntar a Alécio Verzola quando ele se tornou comunista e entrou no PCB, vai ter como resposta um sorriso maroto seguido de um ar de espanto. Um documento de 1972, da Divisão Central de Informações (DCI), órgão da Secretaria de Segurança e Informações (SSI), justifica em parte a reação de Alécio. Ali estão os nomes de Abelardo, Álvaro, Haroldo, João, Maria, Maria Machado, Maria Terezinha, Natália e Odete, todos da mesma família: Verzola.

Nascido em 10 de outubro de 1948, em Florianópolis, filho de Haroldo Verzola e Maria Machado Verzola, os dois no relatório da DCI-SSI de 1972, Alécio sempre foi comunista e do PCB, algo que ele foi incorporando ao longo dos anos de convivência, desde a infância. O primeiro da família a chegar no morro do Céu, onde quase toda a família ainda reside, foi João Batista, nas primeiras duas décadas do século 20. “Eles foram os moradores pioneiros da parte baixa do morro do Céu”, conta dona Maria, mãe de Alécio.

O filho mais velho de João Batista, Pepe, herdou do pai as habilidades com a marcenaria e os ideais anarquistas. Seus filhos seguiram a profissão e as posições políticas. “Quando eles chegaram aqui era tudo mato, com raros moradores”, recorda dona Maria, casada com Haroldo, um dos filhos de Pepe. Residente na subida da rua Jairo Callado, guarda boas recordações. “Havia a rua dos polacos, onde morava o senhor Wenceslau Kinceski. Uma filha dele, Natália, casou com o João Verzola, um dos melhores carpinteiros que existiu em Florianópolis”.

Nos primeiros tempos havia a parteira dona Vicentina residente na Praia de Fora, atual avenida Beira-Mar Norte, que ia até o morro “atender a gente. Os seis filhos que eu tive foram de partos feitos por ela”, assinala. Nascida em 18 de março de 1928, na localidade de Tijuquinhas, município de Biguaçu, dona Maria veio para Florianópolis pequena, morando inicialmente no Rita Maria. Com 10 anos, morava no morro do Mocotó.

“Eu ficava em casa com a minha irmã e irmão, enquanto a mãe ia trabalhar. Um dia passou por lá uma dama de caridade e viu que a gente estava doente. Fomos levados para o Hospital de Caridade e mais tarde adotados por uma família, quando vim morar aqui no morro do Céu. Mais tarde conheci o Haroldo e me casei com ele”.

Lembra que o primeiro Verzola, João Batista, era “doente dos nervos”, que a partir do final da década de 1930, começou a alimentar a idéia de suicídio. “Só não conseguia porque os filhos cuidavam. Um dia resolveu agredir o governador, pois achava que se fizesse isso iam matá-lo”, diz. “Ele chegou a dirigir palavras ofensivas ao governador, em 1938, mas o pessoal conhecia ele e sabia dos problemas, não fizeram nada, só trouxeram ele para casa.”

Apesar da vigilância redobrada dos filhos, João Batista conseguiu o que queria. “Dois dias depois que aconteceu o problema com o governador, ele esperou o Pepe sair de casa e se matou com marretadas na cabeça. Foi um momento de muita tristeza no morro, pois todos gostavam dele, tinha muitos parentes”, complementa. Entre os netos de João Batista e filho de Pepe, se destaca João Verzola, exímio marceneiro e um dos fundadores do extinto Partido Comunista Brasileiro (PCB) em Santa Catarina, em 1939.

Manoel Alves Ribeiro (Mimo), ex-vereador na Capital, também morou no morro do Céu. Pepe, segundo ele, “trouxe para ali a idéia da luta de libertação, que seus pais haviam trazido da Itália”. Costumava se vangloriar de na sua família “não existir um reacionário, nem um conservador ou puxa-saco da burguesia, como costumava dizer”. Todos os seus “filhos, suas noras, seus netos eram militantes do PCB”, acrescenta Mimo. Os moradores, “na maioria operários”, eram “gente de oposição ao regime” e ali “funcionava uma base do PCB, verdadeira escola para os trabalhadores”. (RIBEIRO, 1990, p. 89-90)

Quando retornou de uma viagem à União Soviética em 1963, Mimo foi comemorar no morro do Céu com feijoada de charque e lingüiça. “O morro do Céu foi o primeiro bairro a receber a notícia de que na superfície da terra, na Rússia, os operários e camponeses não eram mais escravos”, escreve. “Na varanda lotada da casa do velho Pepe, foi minha primeira palestra. Velhos, crianças, homens e mulheres ouviram-me num profundo silêncio”. A União Soviética “se projetou para eles como um oásis no deserto de suas vidas e de trabalhadores sob o jugo do capitalismo explorador”, conforme Manoel Alves Ribeiro. (RIBEIRO, 1990, p. 163)

Foi nesse ambiente que Alécio se criou, participando de campanhas eleitorais, acompanhando reuniões clandestinas e à vontade nas inúmeras festas com muita cantoria revolucionária, que às vezes terminavam com vivas! ao PCB, à URSS, à classe operária, ao povo brasileiro. Após 1964, o PCB ficou “um monte de tempo sem organização real”. Alécio destaca que após serem soltos, antigos dirigentes como Mário Bastos, João Verzola, Mimo e outros, “conversavam bastante, mas não se reuniam propriamente. Demorou muito tempo para montar organização”.

Tinha cerca de 18 anos, quando foi trabalhar na livraria Cruz e Sousa, aberta em 1965, por Luiz Fernando Galotti, e que logo virou ponto de encontro de intelectuais, artistas, professores e outros leitores, além da militância de esquerda. No vácuo da “aposentadoria” da velha guarda, “nós entramos, por volta de 1968 e 1969. Começou tudo no movimento estudantil. Eu, Motta e Vladimir, nos tornamos os três principais elementos do PCB em Florianópolis”, lembra Verzola.

Um dos primeiros representantes da direção nacional a aparecer em Santa Catarina após o golpe, foi Fernando Pereira Cristino, “Cláudio”. Depois veio Teodoro Ghercov, que deu uma “dinamizada na organização”. Quando ele chegou, Luis Geraldo Bresciani, de Criciúma, “se tornou seu braço direito”. Depois foi Jorge Leal, “que Teodoro sempre elogiava, junto com João Jorge Machado de Souza, de Joinville”, salienta Alécio.

Entre o final de 1968 e o início de 1969, foi reestruturada a direção estadual do PCB, a primeira vez desde o golpe de 64. Segundo Alécio Verzola, a comissão executiva ficou assim constituída: Teodoro Ghercov (1º secretário), Roberto Motta (2º), Vladimir Amarante (3º) e Alécio Verzola (Tesoureiro). Entre os membros da direção, estavam Jorge Leal (Criciúma) e Edésio Ferreira (Itajaí). “Depois disso foi feita uma modificação na direção, que deixou de funcionar alguns meses, sendo reorganizada em 1972”, destaca.

Em 1975, no momento das prisões, Teodoro continuava como 1º secretário, Alécio era o 2º e Cirineu o 3º secretário, cabendo a Marcos Cardoso Filho a responsabilidade pelo trabalho de agitação e propaganda, e a fração parlamentar para os contatos políticos com Roberto Motta e Vladimir, esse também na área estudantil. Com a ida de Vladimir para o Paraná, Marcos acumulou provisoriamente a função.


A Operação Barriga Verde chegou num momento de grande debate interno no PCB em Santa Catarina. Desde 1974, informa Alécio Verzola, “se discute as divergências” de Prestes com uma parte do CC. “Cheguei a escrever uma matéria para a Voz Operária sobre esse assunto”, salienta. “Eu já estava querendo sair do partido no momento das prisões”.

Quando o debate esquentou, dois dirigentes do CC vieram a Florianópolis, Salomão Malina e outro, especialmente para discutir o assunto, numa reunião no escritório da seguradora que Motta gerenciava. Porque a divergência? “A estratégia”, responde Alécio, estava expressa, por exemplo, na idéia de mudanças no jornal Voz Operária, órgão oficial do PCB. “Queriam mudar a VO, todo o CC queria essa mudança e tentei convencer o pessoal a cair fora”, assinala, mas não conseguiu, “pois o pessoal era alinhado com o Teodoro e contornava a questão”.

O foco central da divergência estava no alinhamento com os demais comunistas. Enquanto Prestes e seu grupo defendiam a “concentração nas fábricas” e no trabalho operário, a outra corrente apostava em “legalizar cada vez mais o Partido e se reduzir à atividade parlamentar e maior aproximação com a intelectualidade mais liberal”. A prisão apenas aliviou essas tensões. Passados três anos de cumprimento de pena e com o retorno de Prestes e demais dirigentes do exílio, as diferenças se tornaram públicas.

Cirineu Martins Cardoso, principal aliado de Alécio nesse debate, dava “uma no prego e outra na ferradura”, aponta Verzola. Se por um lado se alinhava com as posições de Prestes, por outro, se tornou o representante do novo jornal do PCB, Voz da Unidade, após seu lançamento em 1979. “Eu só estava esperando sair o primeiro número do jornal para tomar uma decisão”, diz. Com a resolução do CC afastando Prestes, “eu não tinha mais vez dentro do Partido”.

Alécio já estava comprometido demais com o grupo aliado de Prestes para recuar, tendo realizado com Cirineu, diversas viagens a Pernambuco, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná, participando de reuniões e avaliando as sucessivas conjunturas. Em Florianópolis, o grupo liderado por eles se reunia na casa de um professor da UFSC, na Lagoa da Conceição, com o objetivo de “reorganizar o PCB contra o grupo de Giocondo Dias, retomar o partido”. Desaconselhados por Gregório Bezerra, saíram.


Fontes

- Relação de militantes do PCB no estado de Santa Catarina. Dossiê DCI-SC. Nº 771E. Top 88. Arquivo do DOPS-PR. Arquivo Público do Paraná.

- Matéria com Maria Verzola. http://an.uol.com.br/ancapital/1999/ago/29/1ger.htm. Capturado em 10.2.05, às 14h16.

- Anotações de entrevista com Alécio Verzola. Florianópolis, 17.4.2005.

- RIBEIRO, Manoel Alves. Caminho. Florianópolis: Edeme, 1990.


* Texto para o livro Os quatro cantos do Sol - Operação Barriga Verde (Florianópolis: EdUFSC, Fundação Boiteux, 2006).

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D O C U M E N T O S

Documentos do Prontuário dos Presos Políticos da Penitenciária Estadual de Florianópolis. Arquivo Público de Santa Catarina. Reproduções: Osvaldo Nocetti.

7 comentários:

Anônimo disse...

Uma perda enorme para a história de lutas deste país.

Daniel Martins

Anônimo disse...

É com pesar que recebemos a notícia do falecimento de Alécio Verzola.
A história política deste país deve muito a homens como ele, que nunca deixaram de lutar por suas convicções de uma sociedade mais justa e solidária.

Rodrigo Pereira

Guizo Vermelho disse...

Interessante como é o fim da vida de um grande sujeito como Alécio Verzola: ele comprava varas de pescar, apagou uma existência em plena paz com a consciência e suas cinzas são espalhadas sobre o local em que ele iria pescar.

De quebra, será eternamente lembrado por todos os que lutam por liberdade e justiça.

Que os camaradas sobreviventes sejam dignos herdeiros de sua luta e jamais esmoreçam!

Anônimo disse...

Grande amigo, maior exemplo: Obrigada pelo privilégio de tê-lo conhecido.Dignidade, retidão, benevolência, doçura, persistência, único . Força para tua maravilhosa e querida família!

Luciane Pacheco- Médica do Trabalho- Criciúma/SC

Anônimo disse...

Obrigada grande amigo pelo privilégio de tê-lo conhecido- dignidade, retidão, doçura, coragem- Exemplo maior! Força para tua maravolhosa família! Força querida Eliete!

Anônimo disse...

Obrigada grande amigo pelo privilégio de tê-lo conhecido- dignidade, retidão, doçura, coragem- Exemplo maior! Força para tua maravolhosa família! Força querida Eliete!

Anônimo disse...

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